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Um marco na minha vida

 

Andava, desde há um bom par de anos, para tomar a decisão de me candidatar a qualquer coisa dessas que, todos sabem, valem mesmo a pena.


Embora algo toldado pela ambição, mas ainda com uns resquícios de lucidez e honestidade, parecia-me avisado começar por baixo e tentar a presidência duma junta da freguesia.


Queria ganhar alguma experiência, mas, principalmente, com um olho no futuro, achava que devia começar por ser mais visto e conhecido, usando a minha cara plastificada, a flutuar suspensa nos muitos postes da luz e dos telefones que por lá existem.

 

Seria o primeiro passo para mais largos e altos voos. Se a própria canzoada, cá em baixo, os usa, para marcar o terreno, não apenas por necessidade física, mas, as mais das vezes, por razões também eleitoralistas para marcação do seu território, por que não postar-me eu, lá em cima, para mais, só por razões deste último tipo?


A família arrasou-me e logo de tal, com firmeza, me demoveu. Presidente de Câmara ainda vá, agora de Junta, nem penses nisso, disseram, bem alto, num forte e agressivo coro, demasiado desafinado, diga-se.


Apresentei os meus longamente ponderados argumentos, mas não consegui convencê-los. Decidido, repliquei, elevando pela primeira vez o tom de voz: " nesse caso, fiquem já a saber, vou candidatar-me, como já outros bem cedo começaram a apregoar, a Presidente da República".

 

Baixaram de imediato todas as vozes para logo completamente emudecerem, agora humildes e reverentes, a olhar para cima, vendo-me já no topo dum alto e bem trabalhado pedestal.


A tempo, (que sorte a nossa estar a televisão ligada!), logo baixámos a fasquia quando, por feliz acaso, nos apercebemos do real poder que um Presidente duma câmara pode ter, comparado com o do Presidente da República.


A ninguém passa pela cabeça que um qualquer presidente de uma qualquer república tenha o supremo poder de descer ao terreno de jogo para insultar, gesticular, ameaçar e pontapear o que lhe apetece, mesmo que seja para abnegadamente proteger da fúria dos sonoros arruaceiros de bancada, um indefeso cidadão que estava a desempenhar o arriscado papel de árbitro numa renhida partida de futebol.


Seria, para o meu gosto, uma presidência demasiado aberta e eu em excessos não alinho e, muito menos, aceito ficar no banco dos suplentes. Da República, não!


Logo aí, eu e toda a família decidimos, por exclusão de partes, em coro uníssono e agora muito bem afinado, anunciar a minha inteira disponibilidade para concorrer à presidência da câmara municipal, com a solene promessa de, ganhas as eleições, ir assistir a todos os jogos em casa do clube da nossa tão querida e civilizada terra.


 

***

A triste cena de Avelino Ferreira Torres, então Presidente da CM do Marco de Canavezes,

no campo de futebol que tem o seu conhecido nome.

 

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