Uma questão de fé
Não sei, e julgo que ninguém consegue dizer-me, quantos são os portugueses de boa-fé, quantos possam ser aqueles de fé duvidosa, nem quantos pertencem ao temível grupo dos de má-fé.
A distribuição estatística por cada um destes grandes grupos é certamente tarefa bastante complicada de realizar, pois, às habituais dificuldades de qualquer inquérito que se pretende seja honesto e rigoroso, feito, ainda por cima, por gente das várias fés, surge a grande dificuldade de analisar as respostas dos de fé duvidosa, que hesitam e alteram vezes sem conta as suas respostas, e as dos de má-fé, que respondem de acordo com os interesses instantâneos da fé que lhes vai lá por dentro.
Isto para não falar nos lapsos cometidos pelos que, na sua boa-fé, se deixam levar pela eventual má-fé dum qualquer astucioso inquiridor.
E assim, a verdade, em oposição ao que diz o velho aforismo que a diz ser insubmersível, não consegue vir ao de cima e lá se fica, bem no fundo, a fazer companhia aos muitos que ao longo dos tempos foram perdendo a fé.
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No demasiado obscuro e arrastado caso do Outlet Freeport, em Alcochete, o nome de Sócrates, ex-ministro do Ambiente, aparece durante muito tempo envolvido.
No dia em que foi conhecida a sentença (27 de Julho de 2010), Sócrates, agora primeiro-ministro, veio orgulhoso e pressuroso dizer ao País que "a verdade acaba sempre por vir ao de cima”.
E também disse “ fica agora evidente para todos os portugueses de boa-fé a enormidade das calúnias, das falsidades e das injustiças que sobre mim foram insistentemente repetidas ao longo destes últimos seis anos, muitas vezes com um único objectivo: de me atacarem politicamente e de me atacarem pessoalmente.”
Só não sei quantas pessoas de má-fé mais algumas de fé duvidosa não ficaram convencidas. De boa-fé o digo.
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Enviei esta crónica para o PÚBLICO em 29 de Julho que a publicou em 10 de Agosto. Dado o lapso de tempo decorrido, receio bem que muitos leitores, julgando-me mais um filósofo barato a acrescentar à lista, não tenham atingido onde eu realmente queria chegar.
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Sócrates foi preventivamente preso nos fins de 2014 ..... esteve em Évora uns meses, acho que 9) e foi muito visitado pelos seus mais chegados amigos . Tudo boa gente.
Agora, (estamos em 2017), e ele, sempre insinuante, anda por aí de cara bem levantada a vender o seu precioso peixe.