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Uma questão de zeros

 

Foi-se-me apresentado o seguinte problema na última prova de aferição na disciplina de matemática:

 

Bill Gates perdeu 11000000000 (onze mil milhões) de dólares no último ano.

 

A.  Havendo 10000000 (dez milhões) de portugueses necessitados, quanto cabia, em euros, a cada um se o prejuízo de Gates fosse por eles distribuído equitativamente? 

B.   Quanto iria caber mais a cada um desses portugueses, se fossem distribuídos os outros 43000000000 (quarenta e três mil milhões) de dólares com que Gates ainda ficou?     

                                                                          

Observações:

 

1. Considere nos cálculos que o valor do euro é igual ao do dólar.

2. Arredonde o resultado até ao cêntimo.

3. Tem duas horas para entregar a sua prova, com meia hora de tolerância."""

 

 

Fiquei logo transido com o tamanho e a grandeza dos números. Tanto zero, meu Deus!

 

 Completamente apalermado com todas aquelas palavras arrevesadas, escolhidas a dedo, nem os melhores alunos a português, como eu, faziam ideia onde é que queriam chegar.

 

Sabia lá eu o que queria dizer “necessitados”? Ainda para mais portugueses! Pensei que algo tinha a ver com necessidades e outras coisas recatadas impróprias para virem ser questionadas na praça pública.

 

 Depois, se lhes parece, emperrei em “equitativamente”; cheirou-me a coisas de cavalos, por ter andado em miúdo, com um primo meu, dois anos na equitação. Mas que raio tem a ver o Bill Gates com cavalos, ele que de burro nada deve ter?

 

Logo a seguir, não percebi para que era preciso arredondar o resultado se o cêntimo já de si é mais que redondo; e, que não fosse, como ia eu ali, sem sequer ter um simples canivete à mão, arredondar o raio do cêntimo, para mais uma coisa tão minúscula?

 

O jovem professor vigilante, uma boa alma diga-se desde já, que não se limitava a fazer de corpo presente, apercebendo-se da dificuldade geral que reinava na sala, resolveu suspender a prova por dez minutos para tentar esclarecer, o melhor que sabia, o provável significado destas e doutras palavras difíceis em que todos esbarraram.

 

Leal e corajosamente, confessou não ter a certeza absoluta da sua interpretação. Mas sempre nos deu umas luzes que a muitos ajudaram, como foi o meu caso. Abençoado seja!

 

Começou então a prova e começou também a barafunda. Com tanto zero, a confusão era generalizada e todos, logo desistindo da máquina de calcular que não tinha sequer espaço para tantos algarismos, começaram a fazer as contas em voz rezada, usando nervosamente todos os dedos das mãos e fazendo cruzinhas no papel, como faz quem joga à sueca.   

  

Ao fim de duas honestas horas de esforçadas tentativas para resolver o problema sozinho e meia hora, menos honesta, a tentar resolvê-lo acompanhado, (a copiar pelo companheiro do lado, um ignorantão que ainda sabia menos que eu), de repente, quando já tinha decidido entregar o ponto em branco, lembrei-me que o professor dissera que um português necessitado era um tipo que vivia à rasca, sempre aflito para pagar as prestações de tanta e tanta coisa que se meteu a comprar. Como se um relâmpago seco me iluminasse, os resultados de A. e B. saltaram-se-me aos olhos.  

 

Nas calmas, com a certeza de ir ter tudo certo, e por uma questão de apresentação, resolvi usar uma página para responder a cada pergunta.  

 

Na página dedicada a A., escrevi desenhado a primor um enorme 0 (zero); na referente a B. escrevi, em tamanho garrafal, também com uma impressionante perfeição, 0,00 (zero vírgula zero zero).

 

Eu explico o fulgurante raciocínio que me levou aos resultados e que, como apreciarão, é de uma simplicidade extrema. Basta que nos interroguemos só um bocadinho: algum português necessitado ia cá, nos dias da sua vida, receber uma tosta que fosse?

 

Deram-me dezanove. Embora muito aborrecido com esta nota assim tão baixa e sentindo-me clamorosamente injustiçado, resolvi não recorrer.

 

E, agora, pergunto eu aos que se interessam por estas coisas da matemática e gostam de exercitar a mente:

 

C.     Quanto teria cabido, em cada caso A. e B., se fossem 10 (dez) os portugueses “desnecessitados” que se iam amanhar, muito bem amanhados, com aquela massa toda?   

 

 

 

***

        a ignorância e a corrupção alastram

 

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