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Uma sugestão enlatada

 

Há muitas coisas que me confundem e fazem andar nervoso.


Uma delas é a eterna questão dos genéricos, que foi o caso mais fresquinho em que esbarrei quando, um dia destes, fui à minha farmácia refazer os meus stocks.


À minha frente, uma senhora idosa, notoriamente angustiada, muito agarrada ao seu velho porta-moedas, mal apresentou a receita, logo perguntou quanto ia ter de pagar por aquilo tudo. A sua lista de medicamentos, reparei, ocupava todos os quatro espaços disponíveis na receita médica. Todo o dinheiro que tinha, ali e em casa, não chegava para comprar tudo o que fora receitado. Que faria ela da sua vida, quando ainda faltavam tantos dias até chegar, ronceiro, o fim do mês?


Aproximei mais o canto do olho e, por baixo dos óculos, à socapa, pude ver que o médico prescritor fizera quatro cruzinhas apressadas sobre todos os quadradinhos, do 1 ao 4, do último espaço, onde diz: ”Não autorizo o fornecimento ou a dispensa de um medicamento genérico”.


A pobre senhora, ajudada pela gentil atendedora a fazer as contas, jogou no 1 e no 3 da lista e lá foi para casa, com os “prémios” escolhidos, tentar sobreviver por inteiro e ajudar o seu marido, que, há mais de um ano, se arrasta em casa, da cama para a cadeira e da cadeira para a cama, a viver a meio gás.


O senhor Bastonário da Ordem dos Médicos veio, um destes dias, apresentar mais uma poderosa explicação para justificar a resistência de muitos dos seus colegas, membros da Ordem que dirige, a receitarem genéricos. Estes fazem muitos doentes, especialmente os de doenças prolongadas, correr perigos insuspeitados porque, estando eles habituados a tomar os medicamentos pela cor e formato das embalagens, perigosas trocas podem ocorrer que, gravemente, põem em risco a sua vida. Convenceu-me, e de vez!


Quando me lembrei daquelas suas palavras, fiquei imensamente contente por ver a referida senhora ir para casa só com aqueles dois remédios seguros que pôde levar, sem perigo algum adicional para a saúde, já de si tão precária, do marido enfermo.


Se, no mês que vem, ele ainda for vivo e ela tiver dinheiro para levar os outros dois, vai, estatisticamente, tudo ficar equilibrado. O marido sofre o dobro, mas, como dura metade do tempo e este passa depressa, não tem nada a perder, muito pelo contrário.


Eu, se governasse, perante um problema tão fácil de resolver como este, mandava pôr todos os medicamentos em latas, (em princípio, recicláveis), exactamente iguais, no formato e no tamanho, e acabava, de vez, com as variegadas e confusas caixinhas de cartão que tantas vidas vêm ceifando.
Cada medicamento tinha uma cor ou combinação de cores, segundo o seu princípio activo, e um número com dois algarismos que identificavam o laboratório da preferência do médico. Por exemplo: “verde / amarelo, 23” queria significar “ácido acetilsalicílico, Bayer”, a bem conhecida Aspirina. Um genérico, exactamente com o mesmo princípio activo, a quem muitos entendidos chamam ácido anti-salicílico, seria: “verde / amarelo, 01”.


Todos, como facilmente se compreende, tinham a ganhar. Por um lado, as farmácias arrumavam e encontravam muito mais facilmente os medicamentos e, por outro, nenhum paciente, lá em casa, corria os permanentes riscos que o actual sistema proporciona. E mais, não havia tanta lata, como agora acontece com o número infindo de embalagens de cartão.

 



***

      A lata do Bastonário da Ordem dos Médicos ...

                            ... e a de muitos dos seus colegas

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