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Villas

 

Villas, assim mesmo, com dois Lês. Um Lê dobrado, ali no meio da palavra, dá distinção e significa que se trata de coisa fina. Vamos ter villas na apetitosa Serra de S. Mamede.

 

Aquela intrusa letrinha dá patine e, só por si, valoriza o empreendimento. Qualquer um, que tenha conseguido o empréstimo para lá comprar a sua toca, fica logo com outro ar, tal como fica aquela outra gente, em princípio, algo suspeita que a vai poder pagar a pronto.

 

Os promotores, para cativarem clientelas, chamam aos empreendimentos os nomes mais aliciantes: varandas, terraços, encostas, quintas, pátios, condomínios fechados, qualquer coisa D’El Rei, villas, etc., etc. Tudo o que cheire a conto de fadas é sinal de estar bem na vida e ter o que se chama um invejável status. Se houver “court” de ténis, piscina, solário, “jacuzzi”, “health club”, sauna, e outras coisas assim requintadas, a parada dobra, ou vai por aí fora, e não é qualquer um que lhe pode meter o dente.     

 

Vamos, dia a dia, vendo cada vez mais engalanada a monótona Serra de S. Mamede. Vão cobrir-se todas aquelas terras, chocantemente abandonadas, de belos edifícios, muitos, se não todos, com roupa interior e lençóis a esvoaçarem dos belos estendais virados para a rua, como se fossem colgaduras em dia de procissão.  

 

Afinal, para que serviam aquelas árvores, aquela vegetação, aquelas casas velhas, algumas ainda vivas e caiadas de branco, outras já em ruínas, tudo coisas estáticas e monótonas que só estorvavam e impediam o desenvolvimento, (a que agora chamam, umas vezes, integrado e, outras, sustentado), se ali se pode albergar mais gente, debruçada sobre a cidade, a ver passar lá em baixo mais carros, mais autocarros, mais caranguejolas de todo o tipo, todas equipadas com ABS, direcção assistida, ar condicionado e tecto de abrir?

 

Não é assim Lisboa, com as suas tão cantadas sete colinas, que, como nós, num pobre arremedo, também possui o seu Rossio e a sua Avenida da Liberdade?

 

Se aqueles montes não são mais que aberrações que a Natureza, há milhões de anos, em gigantescas convulsões, erigiu no Alentejo, por que não arrasá-los, aqui e além, para lá semear edifícios com muitos andares, de cores berrantes, como se estivéssemos, a seco, na marina de Vilamoura ou, ainda melhor, na nova e bela “terrina” da Albufeira?

 

Deixe-se a vasta planície que resta para as pomposamente chamadas Zonas Industriais, para as feiras, para os supermercados, para o futuro aeroporto e para a gare principal do ansiado metro, que nos há-de ligar dos vários interfaces espalhados pela cidade à estação de caminho de ferro, que vai ser uma espécie de Gare do Oriente, mas em grande. Para mais, a CP, que tão bem sempre tem servido o interior do país, não levará muito a trazer-nos comboios pendulares e TGV que, em minutos, nos vão pôr em Madrid, na Escusa, em Lisboa, no Gavião, em Paris, em Valença do Minho, embora, por mais uns tempos, com paragem obrigatória nos Fortios, por causa do raio dos semáforos que impedem ultrapassar os 50.

 

As zonas habitacionais devem, por razões de saúde pública, ser construídas nas encostas mais íngremes, como se fez em Lisboa, com a calçada da Estrela e muitas outras calçadas que por lá há, para que as populações no seu dia a dia se exercitem saudavelmente e mantenham a linha, vindo por aí abaixo, de carro próprio ou alugado, para ir ao médico buscar as receitas e, a seguir, à farmácia para as aviar.

 

Para comprar tabaco, os jornais desportivos, preencher o totoloto e jogar na raspadinha, muitos virão a pé e em fato de treino, embora uns tantos justificadamente se metam no inseparável automóvel, especialmente aos sábados, porque só o Expresso pesa mais de dois quilos e, com tanta carga e a subir, nunca mais se chegava a casa a horas decentes para o almoço.

 

Estou ansioso por que chegue o dia em que tirem as muletas ao Plátano e o deixem definitivamente cair, para lá construírem pelo menos uma torre descomunal, projectada por Frank Gerry ou Siza Vieira. Poderemos, finalmente, sem obstáculos, ver o mar, de Caminha até Vila Real de S.to António, e, ao vivo integral, os jogos de futebol realizados, de Braga até Faro, nos grandiosos estádios acabadinhos de estrear.   

 

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